CAN
BUS
BARRAMENTO
CONTROLLER AREA NETWORK
“CONCEITUAÇÃO”
INTRODUÇÃO
A primeira
parte deste artigo procurou explicar os dois principais conceitos de Arquitetura
Eletro-Eletrônica existentes – o Centralizado e o Distribuído.
Além de destacadas as vantagens e desvantagens de ambos os conceitos, foram
mencionados dois exemplos de aplicação, um fundamentado no sistema Centralizado
e outro no Distribuído.
Percebemos que, para a viabilização do
sistema, especialmente no conceito Distribuído, é extremamente necessária a
utilização de um Protocolo de Comunicação. Neste sentido, o CAN Bus mostra-se
o mais adequado se considerada a aplicação em questão: Eletrônica Embarcada em
veículos automotivos.
Vamos então ao Protocolo !
HISTÓRICO
O CAN Bus (ou Barramento Controller
Area Network) foi desenvolvido pela empresa alemã Robert BOSCH e
disponibilizado em meados dos anos 80. Sua aplicação inicial foi realizada em
ônibus e caminhões. Atualmente, é utilizado na indústria, em veículos
automotivos, navios e tratores, entre outros.
CONCEITUAÇÃO BÁSICA
O CAN é um protocolo de comunicação
serial síncrono. O sincronismo entre os módulos conectados a rede é feito
em relação ao início de cada mensagem lançada ao barramento (evento que ocorre
em intervalos de tempo conhecidos e regulares).
Trabalha baseado no conceito multi-mestre,
onde todos os módulos podem se tornar mestre em determinado momento e escravo
em outro, além de suas mensagens serem enviadas em regime multicast,
caracterizado pelo envio de toda e qualquer mensagem para todos os módulos
existentes na rede.
Outro ponto forte deste protocolo é o fato
de ser fundamentado no conceito CSMA/CD with NDA (Carrier
Sense Multiple Access / Collision Detection with Non-Destructive Arbitration).
Isto significa que todos os módulos verificam o estado do barramento,
analisando se outro módulo está ou não enviando mensagens com maior prioridade.
Caso isto seja percebido, o módulo cuja mensagem tiver menor prioridade cessará
sua transmissão e o de maior prioridade continuará enviando sua mensagem deste
ponto, sem ter que reiniciá-la.
Outro conceito bastante interessante é o NRZ
(Non Return to Zero), onde cada bit (0 ou 1) é transmitido por um valor
de tensão específico e constante.
A velocidade de transmissão dos dados
é inversamente proporcional ao comprimento do barramento. A maior taxa de
transmissão especificada é de 1Mbps considerando-se um barramento de 40 metros.
A Figura 1 representa a relação entre o comprimento da rede (barramento) e a taxa
de transmissão dos dados.
Figura 1
Considerando-se fios elétricos como o meio
de transmissão dos dados, existem três formas de se constituir um barramento
CAN, dependentes diretamente da quantidade de fios utilizada. Existem redes baseadas
em 1, 2 e 4 fios. As redes com 2 e 4 fios trabalham com os sinais de dados CAN_H
(CAN High) e CAN_L (CAN Low). No caso dos barramentos
com 4 fios, além dos sinais de dados, um fio com o VCC (alimentação) e outro
com o GND (referência) fazem parte do barramento, levando a alimentação às duas
terminações ativas da rede. As redes com apenas 1 fio têm este, o fio de dados,
chamado exclusivamente de linha CAN.
Considerando o CAN fundamentado em 2 e 4
fios, seus condutores elétricos devem ser trançados e não blindados. Os dados
enviados através da rede devem ser interpretados pela análise da diferença de
potencial entre os fios CAN_H e CAN_L. Por isso, o barramento CAN é
classificado como Par Trançado Diferencial. Este conceito atenua
fortemente os efeitos causados por interferências eletro-magnéticas, uma vez
que qualquer ação sobre um dos fios será sentida também pelo outro, causando
flutuação em ambos os sinais para o mesmo sentido e com a mesma intensidade.
Como o que vale para os módulos que recebem as mensagens é a diferença de
potencial entre os condutores CAN_H e CAN_L (e esta permanecerá inalterada), a
comunicação não é prejudicada.
No CAN, os dados não são representados por
bits em nível “0” ou nível “1”. São representados por bits Dominantes e bits
Recessivos, criados em função da condição presente nos fios CAN_H e CAN_L.
A Figura 2 ilustra os níveis de tensão em uma rede CAN, assim como os bits
Dominantes e Recessivos.
Figura 2
Como mencionado no início, todos os
módulos podem ser mestre e enviar suas mensagens. Para tanto, o protocolo é
suficientemente robusto para evitar a colisão entre mensagens, utilizando-se de
uma arbitragem bit a bit não destrutiva. Podemos exemplificar esta
situação, analisando o comportamento de dois módulos enviando, ao mesmo tempo,
mensagens diferentes. Após enviar um bit, cada módulo analisa o barramento e
verifica se outro módulo na rede o sobrescreveu (vale acrescentar que um bit
Dominante sobrescreve eletricamente um Recessivo). Um módulo interromperá
imediatamente sua transmissão, caso perceba que existe outro módulo
transmitindo uma mensagem com prioridade maior (quando seu bit recessivo é
sobrescrito por um dominante). Este módulo, com maior prioridade, continuará
normalmente sua transmissão.
Existem dois formatos de mensagens no
protocolo CAN:
CAN 2.0A – Mensagens com identificador de 11 bits. É
possível ter até 2048 mensagens em uma rede constituída sob este formato, o que
pode caracterizar uma limitação em determinadas aplicações. A Figura 3
apresenta o quadro de mensagem do CAN 2.0A.
Figura 3
CAN 2.0B – Mensagens com identificador de 29 bits. É possível ter, aproximadamente, 537
milhões de mensagens em uma rede constituída sob este formato. Percebe-se que a
limitação em virtude da quantidade de mensagens não mais existe. Por outro
lado, o que pode ser observado em alguns casos é que, os 18 bits adicionais no
identificador aumentam o tempo de transmissão de cada mensagem, o que pode
caracterizar um problema em determinadas aplicações que trabalhem em tempo-real
(problema conhecido como overhead). A Figura 4 apresenta o quadro de
mensagem do formato CAN 2.0B.
PADRÕES
EXISTENTES
Os fundamentos do CAN são especificados
por duas normas: a ISO11898 e a ISO11519-2. A primeira, ISO11898,
determina as características de uma rede trabalhando com alta velocidade de
transmissão de dados (de 125Kbps a 1Mbps). A segunda, ISO11519-2, determina as
características de uma rede trabalhando com baixa velocidade (de 10Kbps a
125Kbps).
Ambos os padrões especificam as camadas
Física e de Dados, respectivamente 1 e 2 se considerado o padrão de comunicação
OSI de 7 camadas (ISO7498). As demais camadas, da 3 à 7, são especificadas por
outros padrões, cada qual relacionado a uma aplicação específica.
Existem diversos padrões fundamentados no
CAN, dentre os quais podemos destacar:
·
NMEA 2000: Baseado no CAN 2.0B e utilizado em
aplicações navais e aéreas.
·
SAE J1939: Baseado no CAN 2.0B e utilizado em aplicações
automotivas, especialmente ônibus e caminhões.
·
DIN 9684
– LBS: Baseado no CAN
2.0A e utilizado em aplicações agrícolas.
·
ISO 11783: Baseado no CAN 2.0B e também utilizado
em aplicações agrícolas.
Estes padrões especificam o equivalente às
camadas de Rede (3), Transporte (4), Sessão (5), Apresentação (6) e Aplicação
(7), do padrão OSI, incluindo-se as mensagens pertinentes ao dicionário de
dados de cada aplicação em especial.
Algumas das maiores vantagens do CAN é a
sua robustez e a capacidade de se adaptar às condições de falha, temporárias
e/ou permanentes. Podemos classificar as falhas de uma rede CAN em três
categorias ou níveis: Nível de Bit, Nível de Mensagem e Nível Físico.
Nível de Bit – Possui dois tipos de erro possíveis:
Bit Monitoring: Após a escrita de um bit dominante, o
módulo transmissor verifica o estado do barramento. Se o bit lido for
recessivo, significará que existe um erro no barramento.
Bit Stuffing: Apenas cinco bits consecutivos podem ter o mesmo
valor (dominante ou recessivo). Caso seja necessário transmitir seqüencialmente
seis ou mais bits de mesmo valor, o módulo transmissor inserirá, imediatamente
após cada grupo de cinco bits consecutivos iguais, um bit de valor contrário. O
módulo receptor ficará encarregado de, durante a leitura, retirar este bit,
chamado de Stuff Bit. Caso uma mensagem seja recebida com pelo menos
seis bits consecutivos iguais, algo de errado terá ocorrido no barramento.
Nível de Mensagem – São três os tipos de erro possíveis:
CRC ou Cyclic Redundancy Check: Funciona como um checksum. O
módulo transmissor calcula um valor em função dos bits da mensagem e o
transmite juntamente com ela. Os módulos receptores recalculam este CRC e
verificam se este é igual ao transmitido com a mensagem.
Frame Check: Os módulos receptores analisam o conteúdo de alguns
bits da mensagem recebida. Estes bits (seus valores) não mudam de mensagem para
mensagem e são determinados pelo padrão CAN.
Acknowledgment Error Check: Os módulos receptores respondem a cada
mensagem íntegra recebida, escrevendo um bit dominante no campo ACK de uma
mensagem resposta que é enviada ao módulo transmissor. Caso esta mensagem
resposta não seja recebida (pelo transmissor original da mensagem), significará
que, ou a mensagem de dados transmitida estava corrompida, ou nenhum módulo a
recebeu.
Toda e qualquer falha acima mencionada,
quando detectada por um ou mais módulos receptores, fará com que estes coloquem
uma mensagem de erro no barramento, avisando toda a rede de que aquela mensagem
continha um erro e que o transmissor deverá reenviá-la.
Além disso, a cada mensagem erroneamente
transmitida ou recebida, um contador de erros é incrementado em uma unidade nos
módulos receptores, e em oito unidades no transmissor. Módulos com estes
contadores iguais a zero são considerados Normais. Para os casos em que os
contadores contêm valores entre 1 e 127, os módulos são considerados Error
Active. Contadores contendo valores entre 128 e 255 colocam os módulos em
condição de Error Passive. Finalmente, para contadores contendo valores
superiores a 255, os módulos serão considerados em Bus Off e passarão a
não mais atuar no barramento. Estes contadores também são decrementados a
medida que mensagens corretas são recebidas, o que reduz o grau de incerteza em
relação a atividade dos módulos ora com contadores contendo valores diferentes
de zero e possibilita novamente a plena participação deles no barramento.
Nível Físico – Para os barramentos com 2 e 4 fios, caso algo de
errado venha a ocorrer com os fios de dados CAN_H e CAN_L, a rede continuará
operando sob uma espécie de modo de segurança. Seguem abaixo algumas das
condições de falha nas linhas de comunicação que permitem a continuidade das
atividades da rede:
·
Curto do
CAN_H (ou CAN_L) para GND (ou VCC);
·
Curto entre
os fios de dados CAN_H e CAN_L;
·
Ruptura do
CAN_H (ou CAN_L);
ASPECTOS DE IMPLEMENTAÇÃO: DICIONÁRIO DE
DADOS
É a parte mais dedicada à aplicação quando
se trabalha com um protocolo como o CAN. O Dicionário de Dados (ou Data
Dictionary) é o conjunto de mensagens que podem ser transmitidas naquela
determinada rede.
A forma mais interessante de se organizar
um dicionário de dados é criando uma matriz com todos os módulos da rede. Esta matriz
mostrará cada mensagem sob a responsabilidade de cada módulo, relacionando quem
a transmite e quem a recebe. Outros dados importantes nesta matriz são: o tempo
de atualização dos valores da mensagem, o intervalo de transmissão da mesma e o
valor relativo ao seu identificador. Além desta matriz, a documentação
referente ao Dicionário de Dados deverá conter uma descrição detalhada de cada
mensagem, bit a bit.
O Dicionário de Dados é implementado numa
rede CAN via software e deverá ser o mesmo (ter a mesma versão de atualização,
inclusive) em todos os módulos conectados à rede. Isto garantirá total
compatibilidade entre os participantes do barramento.
ASPECTOS
DE IMPLEMENTAÇÃO: EXEMPLO DE REDE
Uma rede CAN, dependendo da sua aplicação,
poderá ter até centenas de módulos conectados. O valor máximo para a conexão de
módulos em um barramento depende da norma que se utiliza na dada aplicação.
Toda rede CAN possui 2 Terminadores.
Estes terminadores nada mais são que resistores com valores entre 120 e 124
ohms, conectados à rede para garantir a perfeita propagação dos sinais
elétricos pelos fios da mesma. Estes resistores, um em cada ponta da rede,
garantem a reflexão dos sinais no barramento e o correto funcionamento da rede
CAN.
Outra característica de determinadas
aplicações fundamentadas no CAN é que estas poderão ter duas ou mais sub-redes
trabalhando, cada qual, em uma velocidade diferente. Os dados são transferidos
de uma sub-rede para a outra através de módulos que atuam nas duas sub-redes.
Estes módulos são chamados de Gateways.
A Figura 5 ilustra a rede CAN de um
sistema automotivo, com duas sub-redes e dois terminadores. O Gateway
desta aplicação é o Painel de Instrumentos.
ASPECTOS
DE IMPLEMENTAÇÃO: MONTAGEM DA REDE
Barramento é o termo técnico que representa os condutores
elétricos das linhas de comunicação e a forma como eles são montados. Apesar de
parecer simples, o ato de interligar os módulos requer bastante atenção.
Sobre o cabeamento necessário,
considerando-se uma aplicação CAN de dois fios, deve-se utilizar par trançado
onde a secção transversal de cada um dos fios deve ser de no mínimo 0,35mm².
As duas terminações (resistores de
aproximadamente 120 ohms), do ponto de vista teórico, podem ser instaladas nas
extremidades do chicote, diretamente nos fios de dados CAN_H e CAN_L. Do ponto
de vista prático isto é extremamente complexo. O que deve ser feito é adicionar
as terminações nas duas ECUs (Unidades Eletrônicas de Controle) conectadas aos
extremos da rede. Se as ECUs forem montadas dependendo dos opcionais do
veículo, deve-se procurar instalar as terminações nas ECUs que sempre estarão
presentes nele (veículo). As terminações são mandatórias numa rede CAN.
No momento de se projetar o roteamento do
barramento, algumas regras em relação ao comprimento dos chicotes devem ser
observadas. O sincronismo das operações das ECUs no CAN é fundamentado no tempo
de propagação física das mensagens no barramento. Assim, a relação do
comprimento de determinados intervalos do chicote no barramento são
fundamentais ao bom funcionamento da rede.
A Figura 6 mostra um diagrama que ilustra
as medidas que devem ser observadas no desenvolvimento do chicote.
Figura 6
Destacamos que, após o barramento ser
montado, caso seja necessário qualquer retrabalho no mesmo, é aconselhável a
troca do chicote elétrico danificado. Emendas poderão alterar a impedância
característica da rede e com isso afetar o seu funcionamento.
Estas foram algumas informações técnicas
de um dos protocolos de comunicação mais utilizados atualmente em aplicações
embarcadas.
Na próxima
e última parte, detalharemos o projeto do hardware e do software de uma ECU
CAN. Além disso, montaremos juntos uma rede de comunicação de dados
fundamentada neste fantástico protocolo.